sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

El Salvador - panorama das maras salvadorenhas


El Salvador, na América Central, é um país atemorizado por duas gangues de rua que se expandem rapidamente: Mara Salvatrucha (MS -13) e Calle 18. As autoridades afirmam que esses grupos são parte de uma longa estrutura de gangues transnacionais que, silenciosamente, tentam formar uma nova categoria no mundo do crime organizado. 
De acordo com a National Civilian Police de El Salvador, esses grupos estão fortemente armados e têm desenvolvido sofisticadas estruturas com células especializadas em áreas como: logística, recrutamento, ataque, contrabando e assassinato. Apesar de algumas controvérsias, estas gangues são frequentemente associadas a rebeldes colombianos bem como acusadas de envolvimento com cartéis de droga mexicanos por participação em extorsões, sicariato (uma espécie de matadores de aluguel), trafico de drogas, armas e seres humanos. Diante disto, é relevante apresentar alguns dados que servem como corolário para esta situação.
Embora a pretensão do texto seja abordar as duas maiores gangues mencionadas acima, apresentar-se-á os dados de uma pesquisa pioneira que verificou, no início da década de 90, um panorama das gangues de ruas de El Salvador à época em que existia no país uma fragmentação entre aproximadamente 25 gangues de rua. Entende-se necessário elucidar ao leitor parte desse processo histórico para que seja possível compreender a polarização atual entre MS-13 e Calle 18.
 Na década de 1960 foram identificadas as primeiras gangues em El Salvador, porém existe pouca informação sobre o nascimento deste fenômeno no período. No entanto, na década de 1990 surgiu o primeiro estudo, com dados relevantes, que revelaram o fenômeno. A tese de bacharelado intitulada “Diagnóstico sobre los grupos llamados ‘maras’ en San Salvador: Factores psicosociales que prevalecen enlos jóvenes que los integran – Universidad Centroamericana José Simeón Cañas”, revelava que as gangues cooptavam membros em uma variante de idade entre 7 e 31 anos, mas que a maioria dos membros tinha entre 15 e 22 anos. E entre as 25 gangues identificadas, 76.7% dos membros eram homens e 23. 3% eram mulheres; a baixa adesão feminina era comum, pois algumas gangues não admitiam mulheres.
Esta tese foi extremamente importante, pois abriu caminho para uma série de outras pesquisas que identificaram uma diversidade de fatores para além do enfoque psicossocial dado pelas autoras deste trabalho. No texto publicado anteriormente a este, destaco o precário quadro socioeconômico de El Salvador após o fim da guerra civil em 1992. Ainda, é importante destacar mais alguns dados disponíveis no trabalho referido.
Segundo as autoras, todos os entrevistados (116 membros de 25 gangues diferentes), advinham da classe baixa ou média baixa. Destes, 66.6% sofriam com problemas de disfunção familiar, habitavam moradias marginais e apresentavam baixo nível de escolaridade. A maioria destes jovens envolvia-se em trabalhos mal remunerados e aqueles que tinham antecedentes criminais eram rejeitados pelo mercado e também pela sociedade. Ao se depararem com esta situação retornavam para as gangues buscando suporte, compreensão e diversão.
 Consequentemente, nos anos 1990 gangues começaram a se desenvolver nas ruas de El Salvador, porém estes grupos tentavam criar uma identidade, queriam ser conhecidos e respeitados. Inicialmente, as roupas folgadas, os cabelos diferentes, tatuagens com símbolos religiosos e diabólicos ou com o nome de suas namoradas e também nome de bandas de rock, marcaram o estilo destas maras salvadorenhas.
O estudo apontava ainda que, à época o consume de drogas entre esses jovens atingiu um nível crítico. Dos entrevistados, 87.9% afirmavam tomar álcool, cheirar thinner e cola ou fumar maconha, segundo os jovens muitas vezes a prática era para livrar-se do frio e da fome. A partir disto, a violência era freqüente, os confrontos entre gangues começaram como uma diversão e evoluíram para disputa de territórios. Do total de jovens entrevistados 90.6% usavam armas, especialmente facas. E 77.5% à época já tinha cometido pequenos furtos ou ferido um membro de outra gangue, parcialmente ou até a consumação do assassinato.
Por outro lado, este histórico - em partes - justifica o atual quadro de crescimento da criminalidade na região. Recentemente, essas gangues resolveram aumentar a crueldade de seus assassinatos e, práticas de mutilação e decapitação se tornaram frequentes. Essa é uma tática para aterrorizar a sociedade e impor respeito à gangue rival. Diante deste descalabro humano as maras, em El Salvador, são responsáveis por 60% da taxa de homicídios.
O aumento da criminalidade é proporcional a sofisticação desses grupos. Ao invés de usarem facas, hoje usam armas – especialmente espingardas de cano cerrado. O consumo de drogas também se agravou, no lugar da cola e da maconha entrou o crack, a heroína e cocaína. Quanto aos furtos, ao invés de pequenos roubos, as maras passaram a praticar assaltos em grande escala e traficarem maiores quantidades de entorpecentes. 
Com a crescente sofisticação as maras passaram a gestar de forma mais eficiente seus grupos criminosos. Cada gangue de rua passou a estabelecer regras para aumentar os lucros e plantar o medo através da crueldade. Assim, para fazer parte de uma mara é necessário seguir regras e passar por “rituais” de aceitação. Por exemplo, para fazer parte da calle 18 é preciso passar por uma espécie de “corredor polonês” e aguentar 18 segundo de violentos golpes. Outra solicitação, comum também à MS-13 é a morte de um membro da gague rival. Desse modo, passam a ser mais respeitados entre os próprios membros de suas gangues. São esses alguns fatos que tornam a situação das maras um dilema para El Salvador.
A situação é dramática. Ainda mais a partir do momento que se toma conhecimento de como funciona o sistema penitenciário do país. Em primeiro lugar, o sistema prisional é semelhante a muitos presídios da América do Sul, porém com alguns agravantes. Um desses é a separação das gangues. Presos ligados a Mara Salvatrucha ou a Calle 18 não são reclusos na mesma unidade prisional, pois é impossível conter o ímpeto de rivalidade entre seus membros.

. Segundo o último informe sobre segurança cidadã nas Américas, produzido pela OEA, El Salvador é país com maior número de detentos do continente, seguido por Haiti e Bolívia. O sistema penitenciário salvadorenho tem capacidade para pouco mais de 8 mil reclusos, porém o número já ultrapassa os 27 mil réus. Cela do presídio de Cojutepeque. Não há luz elétrica e nem janela para ventilação.

As prisões de El Salvador são, de fato, uma extensão das ruas. Internamente existem líderes, compra de armas e extorsão. Porém, apesar dessas práticas – algo extremamente comum nas prisões brasileiras – a condição em que vivem os detentos de qualquer prisão salvadorenha são subumanas. Não há a mínima expectativa de recuperar algum interno e devolvê-lo a sociedade.

"Embora as condições de vida presídio sejam subumanas, a principal reclamação dos detentos é não ter acesso a oficinas com programas educativos e de reabilitação. Existe na penitenciária uma pequena área para essas atividades, porém não há pessoal que opere as atividades e sala está fechada". 

A infraestrutura prisional é comparada ao inferno na terra conforme os presos. As celas são divididas entre até 10detentos – amontoados- que dormem de dois em dois em colchões (precários) de solteiro e os que não têm colchão dormem em uma manta no chão da cela. A alimentação é cruel. Os presos comem bananas com canela e molho de tomate com tortillas, tudo é servido em baldes. A prática é tão anti-higiênica quanto jogar lavagem para os porcos. Não obstante, a empresa que fornece alimento para as prisões se chama ALIPRAC, de propriedade de Vanda Pignato esposa do ex-presidente Mauricio Funes. Pelo serviço de “qualidade ímpar” a ALIPRAC embolsa 20 milhões de dólares por ano.
Luís Mendez foi apelidado de "Morte", pois há dois anos foi ferido com um ferro e vaga com as tripas saindo para fora de sua barriga. A solução que encontrou foi atar esta bolsa a frente do ferimento. Esta é a mesma bolsa que Luis guarda restos de verdura para comer. 'No me dan ningún medicamento, solo cuando salgo al hospital me dan unas pastillas para el dolor'. Disse o detento após estar há dois meses sem poder ir ao hospital. 


El Salvador sofre com muitos dos problemas comuns a quem encara a realidade da América do Sul. Instituições fracas, sistemas judiciários inertes, administração pública com alto nível de corrupção, práticas legislativas que mais parecem um comércio de venda de produtos, etc. Em suma, a velha confusão entre aquilo que é público e aquilo que é privado faz desse país uma democracia recente que ainda não tem capacidade de gestar sua sociedade de maneira eficiente. Não há perspectivas para o país adentras as cadeias globais de comércio e tão pouco há expectativa que em curto período de tempo El Salvador seja conduzido por planos governamentais eficientes que assistam a população conforme seu povo realmente merece. 

Fontes: 
Maras gang violence and security in Central América.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Maras na América Central: alguns movimentos de consolidação das gangues


No continente americano é possível encontrar inúmeras organizações criminosas que atuam nas mais variadas atividades no mundo do crime organizado. Dentre essas organizações, as maras – violentas gangues de rua – atemorizam a população da América Central e enfrentam as forças governamentais que tentam suprimir a epidemia desses grupos.
Apesar do debate, atual e polêmico, o fenômeno destas gangues de rua remonta o século passado. Conforme Thomas Bruneau et. al  apresenta em seu livro “Maras Gang Violence and Security in Central America” suas origens se deram há cerca de cem anos encabeçadas por mafiosos mexicanos nas prisões do sul da Califórnia. No entanto, uma série de eventos ocorridos durante as últimas décadas do século passado podem ajudar a compreender de que maneira as maras fizeram da América Central o reduto de suas atividades.
O Primeiro deles é a guerra civil. Desde 1960 até o final da guerra fria, países como El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua travaram conflitos armados contra governos autocráticos e ditatoriais que apoiavam (ou não) determinados interesses geopolíticos norte americanos na região. Este quadro de instabilidade regional resultou em uma diáspora de imigrantes latinos para os Estados Unidos. Foram nas décadas de 1970-80 que uma grande leva de imigrantes latinos chegou ao vizinho do norte. Porém, a recepção foi um passo para a epidemia das gangues de rua.
A chagada à Califórnia não foi nada receptiva. Os novos imigrantes se depararam com bairros de latinos dominados pela máfia mexicana os quais se consideravam culturalmente distintos. Contrários em submeterem-se as ordens das gangues de rua mexicanas, os latinos resolveram criar suas próprias gangues e esse movimento pode ser considerado o boom desses grupos.
Contudo, muitos dos imigrantes que lá chegaram já pertenciam a grupos guerrilheiros ou gangues que começavam a formar-se em alguns países da América Central. O caso mais significativo é o da guerra civil de El Salvador (1980-1992). Entre os anos de 1984 e 1992 aproximadamente um milhão de salvadorenhos migrou para os Estados Unidos devido à violência generalizada e uma economia totalmente desestruturada. Alguns desses imigrantes tinham laços com a gangue de rua La Mara de San Salvador e outros eram ex membros da FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional).
O segundo evento que merece ser destacado diz respeito à política de deportação norte-americana. Segundo relatório da ONU (UNODC) de 2007 há uma crença amplamente difundida tanto na América Central quanto no Caribe de que os problemas atuais de criminalidade da região têm ligação direta com a política de deportação massiva liderada pelos Estados Unidos principalmente durante os anos 1990.
Em 1988 quando as autoridades estadunidenses detectaram que somente em Los Angeles havia 452 gangues com mais de 50.000 membros alterou-se o posicionamento do país em relação à imigração e novas medidas foram adotadas. Em meados dos anos 1990 o mecanismo adotado pela Immigration and Customs Enforcement foi uma deportação massiva de indocumentados. A grande questão é que, dessa massa, 40.000 eram criminosos experientes treinados pela MS-13 ou pelo Barrio 18 que retornavam principalmente a El Salvador e Honduras e a partir daí tornariam o fenômeno das maras uma grande dor de cabeça para os governos de democracias nascentes.

 O retorno desses criminosos, realmente, não foi uma contribuição para estes países que acabavam de baixar armas na tentativa de retomar o rumo da democracia. É necessário compreender que em meados dos anos 1990 a América Central estava economicamente desestruturada – embora a estrutura no século XXI ainda seja precária – e, além disso, os países que acabavam de cessar fogo em seus conflitos não apresentavam critérios básicos para receber uma deportação massiva. Sem condições de fornecer segurança pública, sem instituições jurídicas sólidas, com estruturas precárias e economicamente fracassados esses países encontram-se até o presente com índices alarmantes de pobreza.
Segundo relatório da Cepal (Anuário Estadístico de América Central y el Caribe, 2010) 26.2 % da população hondurenha vive na extrema pobreza, seguido por Nicarágua (20.8%), El Salvador (19%) e Guatemala (14.8%). Estes números justificam o ininterrupto fluxo migratório da America Central para os Estados Unidos até os dias atuais.

Por fim, essa fraqueza institucionalizada foi o cenário ideal para a consolidação de duas das mais violentas gangues de rua das Américas: Mara Salvatrucha MS-13 e Barrio 18. Após apresentar alguns fatores sobre a origem dessas duas gangues, no próximo post falarei quem são e o que fazem as conhecidas maras.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Dica de Leitura – Orfeu da Conceição de Vinícius de Moraes.


“Para matar Orfeu não basta a Morte. Tudo morre que nasce e que viveu só não morre no mundo a voz de Orfeu”.


Além da distância, há muito que separa a Grécia do Rio de Janeiro. Porém, para Vinícius, esta disparidade ficou minúscula ao comparar a favela do samba e dos clubes de negros do Rio com a mitologia grega. Dessa junção, nasceu um negro com violão nas mãos e que a cada samba dedilhado às mulheres do morro encantava.
Foi em 1942, como um dia escreveu o autor, que nasceu o embrião de Orfeu da Conceição. Do contato de Vinícius de Moraes com as favelas, macumbas e candomblés que nasceu esta tragédia carioca que mostra de maneira célebre e dramática o sofrimento do amor entre Orfeu (Haroldo Costa) e Eurídice (Daisy Paiva). Desde então Orfeu não foi mais o poeta e músico de Trácia, pelas mãos do “poetinha” virou o Orfeu negro, a voz do morro.
O texto virou peça de teatro e em 1956 estreou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Fruto das parcerias perfeitas de Vinícius a peça foi um enorme sucesso. Não poderia ser diferente, com música de Tom Jobim, cenário de Oscar Niemeyer e figurinos de Lila Bôscoli o sucesso foi garantido.
Além do livro, da peça e do disco, em 1959, fruto de uma produção franco-italiana dirigida por Marcel Camus, a obra virou filme com o título de Orfeu Negro. Apesar de o resultado não ter agradado a Vinícius, o filme ganhou os principais prêmios de Cannes (a Palma de Ouro de 1959), além do prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar e no Globo de Ouro de 1960.
Esse drama passional tem como palco trágico o que de melhor o Rio oferece ao mundo: o carnaval. É em meio à batucada das escolas de samba que ocorrem os inesquecíveis encontros e desencontros entre Orfeu e Eurídice. A transposição do mito grego para o morro é, de fato, uma homenagem ao negro brasileiro, nas palavras de Vinícius:
“O negro possui uma cultura própria e um temperamento suis generis, e embora integrado no complexo racial brasileiro sempre manifestou a necessidade de seguir a trilha de sua própria cultura, prestando assim uma contribuição verdadeiramente pessoal à cultura brasileira em geral: aquela liberta dos preconceitos de cor, credo ou classe”.

Não é meu objetivo contar-lhes detalhes da obra para que não tire o gosto de sua leitura. Portanto, passe em alguma biblioteca ou acesse algum sebo e adquira o livro, você não irá se arrepender. Um clássico feito com amor, palavra chave para quem conhece o autor.

Visite o acervo do poeta: Obra completa.