El Salvador, na América Central, é um país atemorizado por duas gangues
de rua que se expandem rapidamente: Mara Salvatrucha (MS -13) e Calle 18. As
autoridades afirmam que esses grupos são parte de uma longa estrutura de
gangues transnacionais que, silenciosamente, tentam formar uma nova categoria
no mundo do crime organizado.
De acordo com a National Civilian
Police de El Salvador, esses grupos estão fortemente armados e têm
desenvolvido sofisticadas estruturas com células especializadas em áreas como:
logística, recrutamento, ataque, contrabando e assassinato. Apesar de algumas
controvérsias, estas gangues são frequentemente associadas a rebeldes
colombianos bem como acusadas de envolvimento com cartéis de droga mexicanos
por participação em extorsões, sicariato (uma
espécie de matadores de aluguel), trafico de drogas, armas e seres humanos. Diante
disto, é relevante apresentar alguns dados que servem como corolário para esta
situação.
Embora a pretensão do texto seja abordar as duas maiores gangues
mencionadas acima, apresentar-se-á os dados de uma pesquisa pioneira que
verificou, no início da década de 90, um panorama das gangues de ruas de El
Salvador à época em que existia no país uma fragmentação entre aproximadamente
25 gangues de rua. Entende-se necessário elucidar ao leitor parte desse
processo histórico para que seja possível compreender a polarização atual entre
MS-13 e Calle 18.
Na década de 1960 foram identificadas
as primeiras gangues em El Salvador, porém existe pouca informação sobre o
nascimento deste fenômeno no período. No entanto, na década de 1990 surgiu o
primeiro estudo, com dados relevantes, que revelaram o fenômeno. A tese de bacharelado
intitulada “Diagnóstico sobre los grupos
llamados ‘maras’ en San Salvador: Factores psicosociales que prevalecen enlos
jóvenes que los integran – Universidad Centroamericana José Simeón Cañas”,
revelava que as gangues cooptavam membros em uma variante de idade entre 7 e 31
anos, mas que a maioria dos membros tinha entre 15 e 22 anos. E entre as 25
gangues identificadas, 76.7% dos membros eram homens e 23. 3% eram mulheres; a
baixa adesão feminina era comum, pois algumas gangues não admitiam mulheres.
Esta tese foi extremamente importante, pois abriu caminho para uma série
de outras pesquisas que identificaram uma diversidade de fatores para além do
enfoque psicossocial dado pelas autoras deste trabalho. No texto publicado
anteriormente a este, destaco o precário quadro socioeconômico de El Salvador
após o fim da guerra civil em 1992. Ainda, é importante destacar mais alguns
dados disponíveis no trabalho referido.
Segundo as autoras, todos os entrevistados (116 membros de 25 gangues
diferentes), advinham da classe baixa ou média baixa. Destes, 66.6% sofriam com
problemas de disfunção familiar, habitavam moradias marginais e apresentavam
baixo nível de escolaridade. A maioria destes jovens envolvia-se em trabalhos
mal remunerados e aqueles que tinham antecedentes criminais eram rejeitados
pelo mercado e também pela sociedade. Ao se depararem com esta situação
retornavam para as gangues buscando suporte, compreensão e diversão.
Consequentemente, nos anos 1990
gangues começaram a se desenvolver nas ruas de El Salvador, porém estes grupos
tentavam criar uma identidade, queriam ser conhecidos e respeitados.
Inicialmente, as roupas folgadas, os cabelos diferentes, tatuagens com símbolos
religiosos e diabólicos ou com o nome de suas namoradas e também nome de bandas
de rock, marcaram o estilo destas maras
salvadorenhas.
O estudo apontava ainda que, à época o consume de drogas entre esses
jovens atingiu um nível crítico. Dos entrevistados, 87.9% afirmavam tomar
álcool, cheirar thinner e cola ou fumar maconha, segundo os jovens muitas vezes
a prática era para livrar-se do frio e da fome. A partir disto, a violência era
freqüente, os confrontos entre gangues começaram como uma diversão e evoluíram
para disputa de territórios. Do total de jovens entrevistados 90.6% usavam
armas, especialmente facas. E 77.5% à época já tinha cometido pequenos furtos
ou ferido um membro de outra gangue, parcialmente ou até a consumação do
assassinato.
Por outro lado, este histórico - em partes - justifica o atual quadro de
crescimento da criminalidade na região. Recentemente, essas gangues resolveram
aumentar a crueldade de seus assassinatos e, práticas de mutilação e
decapitação se tornaram frequentes. Essa é uma tática para aterrorizar a
sociedade e impor respeito à gangue rival. Diante deste descalabro humano as maras, em El Salvador, são responsáveis
por 60% da taxa de homicídios.
O aumento da criminalidade é proporcional a sofisticação desses grupos.
Ao invés de usarem facas, hoje usam armas – especialmente espingardas de cano
cerrado. O consumo de drogas também se agravou, no lugar da cola e da maconha
entrou o crack, a heroína e cocaína. Quanto aos furtos, ao invés de pequenos
roubos, as maras passaram a praticar
assaltos em grande escala e traficarem maiores quantidades de
entorpecentes.
Com a crescente sofisticação as maras
passaram a gestar de forma mais eficiente seus grupos criminosos. Cada
gangue de rua passou a estabelecer regras para aumentar os lucros e plantar o
medo através da crueldade. Assim, para fazer parte de uma mara é necessário seguir regras e passar por “rituais” de
aceitação. Por exemplo, para fazer parte da calle
18 é preciso passar por uma espécie de “corredor polonês” e aguentar 18
segundo de violentos golpes. Outra solicitação, comum também à MS-13 é a morte
de um membro da gague rival. Desse modo, passam a ser mais respeitados entre os
próprios membros de suas gangues. São esses alguns fatos que tornam a situação
das maras um dilema para El Salvador.
A situação é dramática. Ainda mais a partir do momento que se toma conhecimento
de como funciona o sistema penitenciário do país. Em primeiro lugar, o sistema
prisional é semelhante a muitos presídios da América do Sul, porém com alguns
agravantes. Um desses é a separação das gangues. Presos ligados a Mara Salvatrucha ou a Calle 18 não são reclusos na mesma
unidade prisional, pois é impossível conter o ímpeto de rivalidade entre seus
membros.
. Segundo o último informe sobre segurança cidadã nas Américas, produzido pela OEA, El Salvador é país com maior número de detentos do continente, seguido por Haiti e Bolívia. O sistema penitenciário salvadorenho tem capacidade para pouco mais de 8 mil reclusos, porém o número já ultrapassa os 27 mil réus. Cela do presídio de Cojutepeque. Não há luz elétrica e nem janela para ventilação.
As prisões de El Salvador são, de fato, uma extensão das ruas.
Internamente existem líderes, compra de armas e extorsão. Porém, apesar dessas
práticas – algo extremamente comum nas prisões brasileiras – a condição em que
vivem os detentos de qualquer prisão salvadorenha são subumanas. Não há a
mínima expectativa de recuperar algum interno e devolvê-lo a sociedade.
"Embora as condições de vida presídio sejam subumanas, a principal reclamação dos detentos é não ter acesso a oficinas com programas educativos e de reabilitação. Existe na penitenciária uma pequena área para essas atividades, porém não há pessoal que opere as atividades e sala está fechada".
A infraestrutura prisional é comparada ao inferno na terra conforme os
presos. As celas são divididas entre até 10detentos – amontoados- que dormem de
dois em dois em colchões (precários) de solteiro e os que não têm colchão
dormem em uma manta no chão da cela. A alimentação é cruel. Os presos comem
bananas com canela e molho de tomate com tortillas,
tudo é servido em baldes. A prática é tão anti-higiênica quanto jogar lavagem
para os porcos. Não obstante, a empresa que fornece alimento para as prisões se
chama ALIPRAC, de propriedade de Vanda Pignato esposa do ex-presidente Mauricio
Funes. Pelo serviço de “qualidade ímpar” a ALIPRAC embolsa 20 milhões de
dólares por ano.
Luís Mendez foi apelidado de "Morte", pois há dois anos foi ferido com um ferro e vaga com as tripas saindo para fora de sua barriga. A solução que encontrou foi atar esta bolsa a frente do ferimento. Esta é a mesma bolsa que Luis guarda restos de verdura para comer. 'No me dan ningún medicamento, solo cuando salgo al hospital me dan unas pastillas para el dolor'. Disse o detento após estar há dois meses sem poder ir ao hospital.
El Salvador sofre com muitos dos problemas comuns a quem encara a
realidade da América do Sul. Instituições fracas, sistemas judiciários inertes,
administração pública com alto nível de corrupção, práticas legislativas que
mais parecem um comércio de venda de produtos, etc. Em suma, a velha confusão
entre aquilo que é público e aquilo que é privado faz desse país uma democracia
recente que ainda não tem capacidade de gestar sua sociedade de maneira
eficiente. Não há perspectivas para o país adentras as cadeias globais de
comércio e tão pouco há expectativa que em curto período de tempo El Salvador
seja conduzido por planos governamentais eficientes que assistam a população
conforme seu povo realmente merece.
Fontes:
Maras gang violence and security in Central América.