quinta-feira, 12 de março de 2015

A Venezuela desgovernada



Nicolás Maduro foi o homem "predestinado" a tocar em frente à revolução bolivariana desde a morte de Hugo Chávez. Personalista, o atual “comandante” venezuelano vive a discursar inflamadamente contra o “império” estadunidense. Para o governo de Caracas a culpa é sempre de Washington. Porém, o “inimigo” que mais tem incomodado não está no norte, mas sim no urgir das calles venezuelanas.

A oposição ao governo de Nicolas Maduro é intensa e é isso que está refletindo a indisposição diplomática com os EUA. De dentro do país para fora das fronteiras os contrários a Maduro e patota bolivariana exprimem o governo a dar respostas diante da pressão sofrida. No entanto, a resposta encontrada pelo governo de Caracas jamais foi o diálogo interno ou a diplomacia externa. E de fato não poderia ser. Maduro desgoverna mais do que governa a Venezuela, não tem capacidade de diálogo, faz-se líder abaixo de apoio do congresso quase completamente bolivariano (que nos perdoe Bolívar por usar seu nome em vão). É a partir da utopia bolivariana ou do socialismo do século XXI - que já deu errado no século XX – que Caracas rebate todas as críticas ao atual momento do país.

A principal acusação sofrida pelo governo, tanto internamente quanto para além das fronteiras, é em relação à violação aos Direitos Humanos diante da prisão de opositores, mortes de estudantes e o uso de armas de fogo contra manifestantes. A resposta encontrada adivinhem? é a velha acusação contra o “Império”, conforme afirmou em entrevista recente o presidente da Assembléia Nacional da Venezuela Diosdado Cabello: “Os EUA não têm envergadura moral para dizer que na Venezuela os Direitos Humanos são violados”. De fato, há violações de Direitos Humanos na maioria dos países do mundo. Porém, quando se julga o que acontece na Venezuela seus mandatários sempre reverberam contra o "imperialismo" sem ao menos elaborar medidas concretas que possam servir de saída para amenizar a crise. Ou seja, não há articulação governamental e nem inteligência para a elaboração de políticas do tipo, o que me parece haver é uma tropa de homens ideologicamente cegados por uma causa e que não se preocupam com a união/acomodação de todas as classes no país. A Venezuela não está sendo comandada por homens de Estado, mas sim por líderes de partidos. Há tempos!
Chávez, eres tú?

Na atribuição de líderes supremos do povo venezuelano, os comandantes deliram com uma futura invasão estadunidense e já cogitam manobras militares em parte de suas fronteiras, manobras estas que segundo Maduro serão comandadas pessoalmente por ele. Deve ser esse o motivo pelo qual ele solicitou mais poderes a cúpula bolivariana. Quer governar por Decreto em pleno o século XXI. Conforme as convicções de meia dúzia do governo, estes afirmam que “Se tivermos que passar fome, passaremos fome, mas este povo jamais perderá a dignidade, os valores, o amor e a luta para seguir adiante”. Seria uma bela oração para um livro de história do século passado.


Em pleno movimento de forte globalização e de inserção das economias dos países em cadeias globais produtivas o que resta para a Venezuela é: instabilidade política, inflação em alta, escassez de produtos e perda de receitas por conta da queda do preço internacional do petróleo, o governo não consegue dialogar internamente com a oposição em uma queda de braço ideológica e ainda consegue arrumar um destempero diplomático bem indigesto, o “império” do norte. Maus tempos. 

quinta-feira, 5 de março de 2015

R. D CONGO - SAVE VIRUNGA



Na República Democrática do Congo, o Parque Nacional Virunga pode ser metaforicamente descrito como um “gigante pela própria natureza”. São 650 km que fazem fronteira com Ruanda e Uganda. O parque, fundado em 1925, é o mais antigo da África e contempla a área de maior biodiversidade do continente proporcionado por uma natureza exuberante que inclui florestas, savanas, planícies de lava, pântanos, vales de erosão, vulcões ativos, e os picos glaciais dos montes Rwenzori. Desde 1979 Virunga figura entre os patrimônios mundiais na lista da UNESCO. Porém, desde 1994  também está na lista de patrimônios em perigo devido a diversos interesses em seus abundantes recursos naturais.
A partir dessas constatações, no final de 2014 foi lançado o documentário chamado Virunga. A produção do site de streaming Netflix é dirigida por Orlando von Einsiedel. O documentário retrata de maneira emocionante o desafio dos guardas florestais na árdua batalha para preservar este ambiente.

O documentário



O príncipe belga Emmanuel de Mérode comanda, desde 2008, a equipe de guardas florestais do Parque Nacional Virunga. Juntamente com André Bauma um cuidador de Gorilas apaixonado pela profissão e Rodrigue Mugaruka Katembo um guarda florestal - ex criança soldado - que conhece o parque como poucos. Com os demais guardas florestais esses bravos heróis são a estrutura de defesa do local que luta pela manutenção da biodiversidade bem como pela vida dos Gorilas da montanha, uma espécie rara no mundo que tem como principal lar o parque Virunga.
Além disso, o documentário denuncia os projetos de exploração de petróleo da SOCO INTERNATIONAL, uma petrolífera britânica que pretende explorar o óleo dentro da reserva. Para reforçar as denúncias, a colaboração da jornalista francesa Mélanie Gouby contribuiu para fortalecer as denúncias contra a empresa que, a partir de subornos, manteve ligações com políticos da região e também com a guerrilha armada M 23 que invadiu a cidade e enfrentou os guardas do Parque Nacional Virunga. 



Comentário

As explicações da SOCO não são convincentes. A partir da pressão de várias ONGs como WWF e Human Rights Watch em julho de 2014 a petrolífera britânica se comprometeu, em um acordo, a não empreender qualquer missão exploratória ou cometer perfurações dentro do parque. Porém, segundo as denúncias dos próprios cineastas do filme e da população local, esta batalha está longe de acabar. Os Executivos do Fundo Mundial para a Natureza reconhecem que a SOCO ainda não abriu mão das licenças de funcionamento e não cumpriu o acordo de não monitorar mais a área.

Para se sensibilizar com o tema é simples. Basta você assistir algumas fotos e conhecer o tamanho da beleza natural e da biodiversidade apresentadas pelo parque. Virunga é um patrimônio que não deveria ousar ser tocado, mas que infelizmente é muito cobiçada pelas forças do capital mundial. Se não houver luta contra esse tipo de ação a África acabará conforme uma das frases proferidas por um executivo da petrolífera quando estava sendo filmado sem saber durante o documentário, disse ele: “A África deve ser recolonizada, essa é a solução”.

 Esse é o pensamento de muitos executivos de multinacionais que empreendem negócios milionários sem demonstrar qualquer preocupação com patrimônio sagrados da natureza. A SOCO, em particular, parece estar vivendo no século passado. Obcecada pela região e por seus recursos naturais a empresa exibe em sua página na internet o projeto de exploração de petróleo. Deixarei o link da página abaixo para que todos possam acessar e conferir a empreitada. Quanto ao Parque Nacional Virunga, também deixarei o link do site para que todos possam acessar e ver como ajudar a divulgar essa denúncia. Por fim, não percam o documentário, é emocionante

Fontes: 

terça-feira, 3 de março de 2015

Por que Jair Bolsonaro quer presidir a CDHM?


É difícil entender o por quê da obsessão, de deputados totalmente avessos ao tema dos Direitos Humanos,para presidirem a Comissão de Direito Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. O raciocínio que nos leva a tal pergunta é simples: você como dono de uma padaria contrataria um jornalista para fazer a massa dos pães? Claro que não, ele iria errar nas medidas, colocaria farinha para mais, fermento para menos e não chegaria a ao resultado desejado. A pessoa certa seria alguém especializado o que o mercado privado chamaria de mão obra especializada.

Dado esse exemplo fica fácil entender qual seria o papel do Deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) nessa comissão. Primeiramente é preciso entender qual o papel desta comissão, para isso, basta entrar no site da câmara e pronto, está lá “Suas atribuições constitucionais e regimentais são receber, avaliar e investigar denúncias de violações de direitos humanos; discutir e votar propostas legislativas relativas à sua área temática; fiscalizar e acompanhar a execução de programas governamentais do setor; colaborar com entidades não-governamentais; realizar pesquisas e estudos relativos à situação dos direitos humanos no Brasil e no mundo, inclusive para efeito de divulgação pública e fornecimento de subsídios para as demais Comissões da Casa; além de cuidar dos assuntos referentes às minorias étnicas e sociais, especialmente aos índios e às comunidades indígenas, a preservação e proteção das culturas populares e étnicas do País.

Este trecho é parte do texto que está disponível no site da Câmara. Dadas as atribuições, me pergunto – qual o contato que o Deputado Jair Bolsonaro tem com algum desses temas? Absolutamente nenhum. É visível que esta comissão apresenta cunho ideológico definido e que isso é contrário a qualquer posicionamento do Deputado referido. E, em minha opinião, isso não é errado. Seria do mesmo descabimento colocar a Maria do Rosário para presidir a Frente Parlamentar da Segurança Pública por exemplo.

Nesse caso sua candidatura teria um único objetivo: atravancar as atribuições as quais se propõe a comissão, por mais simples que seja a resposta para o título, sua presidência traria um retrocesso grave a tais questões. Para tal presidência é necessário alguém que consiga dialogar com a sociedade civil, que consiga monitor de forma mais rígida a questão dos direitos humanos no Brasil. Que trabalhe para melhor a situação do país diante da Comissão Interamericana de Direito Humanos da OEA.
O oposto seria ridículo. Jair Bolsonaro tem convicções particulares e posicionamentos controversos para tal função. Não é possível que uma comissão ao seu mando trabalhe em prol da pena de morte, da diminuição da maioridade penal e da alteração do estatuto do desarmamento. Seria uma balela fazer textos inconstitucionais que desviariam totalmente o foco desta comissão.


O papel deste Deputado é fazer oposição ao atual governo, pressioná-lo. Está ai sua maior qualidade. Demonstrar uma voz ativa e um posicionamento radical. Por mais que, particularmente, eu seja contrário a boa parte de seus posicionamentos (não todos) é fundamental que haja opositores deste calibre. Agora esperar sensibilidade e flexibilidade de um militar da reserva que foi doutrinado a vida inteira para agir conforme as convicções conservadoras da direta seria ou ignorância por parte dos “representantes do povo” ou uma estratégia de desestruturar a Comissão, está última leva o meu voto. Nesta quarta está previsto para que saia o nome indicado pelos Deputados. É esperar e rezar!

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

El Salvador - panorama das maras salvadorenhas


El Salvador, na América Central, é um país atemorizado por duas gangues de rua que se expandem rapidamente: Mara Salvatrucha (MS -13) e Calle 18. As autoridades afirmam que esses grupos são parte de uma longa estrutura de gangues transnacionais que, silenciosamente, tentam formar uma nova categoria no mundo do crime organizado. 
De acordo com a National Civilian Police de El Salvador, esses grupos estão fortemente armados e têm desenvolvido sofisticadas estruturas com células especializadas em áreas como: logística, recrutamento, ataque, contrabando e assassinato. Apesar de algumas controvérsias, estas gangues são frequentemente associadas a rebeldes colombianos bem como acusadas de envolvimento com cartéis de droga mexicanos por participação em extorsões, sicariato (uma espécie de matadores de aluguel), trafico de drogas, armas e seres humanos. Diante disto, é relevante apresentar alguns dados que servem como corolário para esta situação.
Embora a pretensão do texto seja abordar as duas maiores gangues mencionadas acima, apresentar-se-á os dados de uma pesquisa pioneira que verificou, no início da década de 90, um panorama das gangues de ruas de El Salvador à época em que existia no país uma fragmentação entre aproximadamente 25 gangues de rua. Entende-se necessário elucidar ao leitor parte desse processo histórico para que seja possível compreender a polarização atual entre MS-13 e Calle 18.
 Na década de 1960 foram identificadas as primeiras gangues em El Salvador, porém existe pouca informação sobre o nascimento deste fenômeno no período. No entanto, na década de 1990 surgiu o primeiro estudo, com dados relevantes, que revelaram o fenômeno. A tese de bacharelado intitulada “Diagnóstico sobre los grupos llamados ‘maras’ en San Salvador: Factores psicosociales que prevalecen enlos jóvenes que los integran – Universidad Centroamericana José Simeón Cañas”, revelava que as gangues cooptavam membros em uma variante de idade entre 7 e 31 anos, mas que a maioria dos membros tinha entre 15 e 22 anos. E entre as 25 gangues identificadas, 76.7% dos membros eram homens e 23. 3% eram mulheres; a baixa adesão feminina era comum, pois algumas gangues não admitiam mulheres.
Esta tese foi extremamente importante, pois abriu caminho para uma série de outras pesquisas que identificaram uma diversidade de fatores para além do enfoque psicossocial dado pelas autoras deste trabalho. No texto publicado anteriormente a este, destaco o precário quadro socioeconômico de El Salvador após o fim da guerra civil em 1992. Ainda, é importante destacar mais alguns dados disponíveis no trabalho referido.
Segundo as autoras, todos os entrevistados (116 membros de 25 gangues diferentes), advinham da classe baixa ou média baixa. Destes, 66.6% sofriam com problemas de disfunção familiar, habitavam moradias marginais e apresentavam baixo nível de escolaridade. A maioria destes jovens envolvia-se em trabalhos mal remunerados e aqueles que tinham antecedentes criminais eram rejeitados pelo mercado e também pela sociedade. Ao se depararem com esta situação retornavam para as gangues buscando suporte, compreensão e diversão.
 Consequentemente, nos anos 1990 gangues começaram a se desenvolver nas ruas de El Salvador, porém estes grupos tentavam criar uma identidade, queriam ser conhecidos e respeitados. Inicialmente, as roupas folgadas, os cabelos diferentes, tatuagens com símbolos religiosos e diabólicos ou com o nome de suas namoradas e também nome de bandas de rock, marcaram o estilo destas maras salvadorenhas.
O estudo apontava ainda que, à época o consume de drogas entre esses jovens atingiu um nível crítico. Dos entrevistados, 87.9% afirmavam tomar álcool, cheirar thinner e cola ou fumar maconha, segundo os jovens muitas vezes a prática era para livrar-se do frio e da fome. A partir disto, a violência era freqüente, os confrontos entre gangues começaram como uma diversão e evoluíram para disputa de territórios. Do total de jovens entrevistados 90.6% usavam armas, especialmente facas. E 77.5% à época já tinha cometido pequenos furtos ou ferido um membro de outra gangue, parcialmente ou até a consumação do assassinato.
Por outro lado, este histórico - em partes - justifica o atual quadro de crescimento da criminalidade na região. Recentemente, essas gangues resolveram aumentar a crueldade de seus assassinatos e, práticas de mutilação e decapitação se tornaram frequentes. Essa é uma tática para aterrorizar a sociedade e impor respeito à gangue rival. Diante deste descalabro humano as maras, em El Salvador, são responsáveis por 60% da taxa de homicídios.
O aumento da criminalidade é proporcional a sofisticação desses grupos. Ao invés de usarem facas, hoje usam armas – especialmente espingardas de cano cerrado. O consumo de drogas também se agravou, no lugar da cola e da maconha entrou o crack, a heroína e cocaína. Quanto aos furtos, ao invés de pequenos roubos, as maras passaram a praticar assaltos em grande escala e traficarem maiores quantidades de entorpecentes. 
Com a crescente sofisticação as maras passaram a gestar de forma mais eficiente seus grupos criminosos. Cada gangue de rua passou a estabelecer regras para aumentar os lucros e plantar o medo através da crueldade. Assim, para fazer parte de uma mara é necessário seguir regras e passar por “rituais” de aceitação. Por exemplo, para fazer parte da calle 18 é preciso passar por uma espécie de “corredor polonês” e aguentar 18 segundo de violentos golpes. Outra solicitação, comum também à MS-13 é a morte de um membro da gague rival. Desse modo, passam a ser mais respeitados entre os próprios membros de suas gangues. São esses alguns fatos que tornam a situação das maras um dilema para El Salvador.
A situação é dramática. Ainda mais a partir do momento que se toma conhecimento de como funciona o sistema penitenciário do país. Em primeiro lugar, o sistema prisional é semelhante a muitos presídios da América do Sul, porém com alguns agravantes. Um desses é a separação das gangues. Presos ligados a Mara Salvatrucha ou a Calle 18 não são reclusos na mesma unidade prisional, pois é impossível conter o ímpeto de rivalidade entre seus membros.

. Segundo o último informe sobre segurança cidadã nas Américas, produzido pela OEA, El Salvador é país com maior número de detentos do continente, seguido por Haiti e Bolívia. O sistema penitenciário salvadorenho tem capacidade para pouco mais de 8 mil reclusos, porém o número já ultrapassa os 27 mil réus. Cela do presídio de Cojutepeque. Não há luz elétrica e nem janela para ventilação.

As prisões de El Salvador são, de fato, uma extensão das ruas. Internamente existem líderes, compra de armas e extorsão. Porém, apesar dessas práticas – algo extremamente comum nas prisões brasileiras – a condição em que vivem os detentos de qualquer prisão salvadorenha são subumanas. Não há a mínima expectativa de recuperar algum interno e devolvê-lo a sociedade.

"Embora as condições de vida presídio sejam subumanas, a principal reclamação dos detentos é não ter acesso a oficinas com programas educativos e de reabilitação. Existe na penitenciária uma pequena área para essas atividades, porém não há pessoal que opere as atividades e sala está fechada". 

A infraestrutura prisional é comparada ao inferno na terra conforme os presos. As celas são divididas entre até 10detentos – amontoados- que dormem de dois em dois em colchões (precários) de solteiro e os que não têm colchão dormem em uma manta no chão da cela. A alimentação é cruel. Os presos comem bananas com canela e molho de tomate com tortillas, tudo é servido em baldes. A prática é tão anti-higiênica quanto jogar lavagem para os porcos. Não obstante, a empresa que fornece alimento para as prisões se chama ALIPRAC, de propriedade de Vanda Pignato esposa do ex-presidente Mauricio Funes. Pelo serviço de “qualidade ímpar” a ALIPRAC embolsa 20 milhões de dólares por ano.
Luís Mendez foi apelidado de "Morte", pois há dois anos foi ferido com um ferro e vaga com as tripas saindo para fora de sua barriga. A solução que encontrou foi atar esta bolsa a frente do ferimento. Esta é a mesma bolsa que Luis guarda restos de verdura para comer. 'No me dan ningún medicamento, solo cuando salgo al hospital me dan unas pastillas para el dolor'. Disse o detento após estar há dois meses sem poder ir ao hospital. 


El Salvador sofre com muitos dos problemas comuns a quem encara a realidade da América do Sul. Instituições fracas, sistemas judiciários inertes, administração pública com alto nível de corrupção, práticas legislativas que mais parecem um comércio de venda de produtos, etc. Em suma, a velha confusão entre aquilo que é público e aquilo que é privado faz desse país uma democracia recente que ainda não tem capacidade de gestar sua sociedade de maneira eficiente. Não há perspectivas para o país adentras as cadeias globais de comércio e tão pouco há expectativa que em curto período de tempo El Salvador seja conduzido por planos governamentais eficientes que assistam a população conforme seu povo realmente merece. 

Fontes: 
Maras gang violence and security in Central América.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

Maras na América Central: alguns movimentos de consolidação das gangues


No continente americano é possível encontrar inúmeras organizações criminosas que atuam nas mais variadas atividades no mundo do crime organizado. Dentre essas organizações, as maras – violentas gangues de rua – atemorizam a população da América Central e enfrentam as forças governamentais que tentam suprimir a epidemia desses grupos.
Apesar do debate, atual e polêmico, o fenômeno destas gangues de rua remonta o século passado. Conforme Thomas Bruneau et. al  apresenta em seu livro “Maras Gang Violence and Security in Central America” suas origens se deram há cerca de cem anos encabeçadas por mafiosos mexicanos nas prisões do sul da Califórnia. No entanto, uma série de eventos ocorridos durante as últimas décadas do século passado podem ajudar a compreender de que maneira as maras fizeram da América Central o reduto de suas atividades.
O Primeiro deles é a guerra civil. Desde 1960 até o final da guerra fria, países como El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua travaram conflitos armados contra governos autocráticos e ditatoriais que apoiavam (ou não) determinados interesses geopolíticos norte americanos na região. Este quadro de instabilidade regional resultou em uma diáspora de imigrantes latinos para os Estados Unidos. Foram nas décadas de 1970-80 que uma grande leva de imigrantes latinos chegou ao vizinho do norte. Porém, a recepção foi um passo para a epidemia das gangues de rua.
A chagada à Califórnia não foi nada receptiva. Os novos imigrantes se depararam com bairros de latinos dominados pela máfia mexicana os quais se consideravam culturalmente distintos. Contrários em submeterem-se as ordens das gangues de rua mexicanas, os latinos resolveram criar suas próprias gangues e esse movimento pode ser considerado o boom desses grupos.
Contudo, muitos dos imigrantes que lá chegaram já pertenciam a grupos guerrilheiros ou gangues que começavam a formar-se em alguns países da América Central. O caso mais significativo é o da guerra civil de El Salvador (1980-1992). Entre os anos de 1984 e 1992 aproximadamente um milhão de salvadorenhos migrou para os Estados Unidos devido à violência generalizada e uma economia totalmente desestruturada. Alguns desses imigrantes tinham laços com a gangue de rua La Mara de San Salvador e outros eram ex membros da FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional).
O segundo evento que merece ser destacado diz respeito à política de deportação norte-americana. Segundo relatório da ONU (UNODC) de 2007 há uma crença amplamente difundida tanto na América Central quanto no Caribe de que os problemas atuais de criminalidade da região têm ligação direta com a política de deportação massiva liderada pelos Estados Unidos principalmente durante os anos 1990.
Em 1988 quando as autoridades estadunidenses detectaram que somente em Los Angeles havia 452 gangues com mais de 50.000 membros alterou-se o posicionamento do país em relação à imigração e novas medidas foram adotadas. Em meados dos anos 1990 o mecanismo adotado pela Immigration and Customs Enforcement foi uma deportação massiva de indocumentados. A grande questão é que, dessa massa, 40.000 eram criminosos experientes treinados pela MS-13 ou pelo Barrio 18 que retornavam principalmente a El Salvador e Honduras e a partir daí tornariam o fenômeno das maras uma grande dor de cabeça para os governos de democracias nascentes.

 O retorno desses criminosos, realmente, não foi uma contribuição para estes países que acabavam de baixar armas na tentativa de retomar o rumo da democracia. É necessário compreender que em meados dos anos 1990 a América Central estava economicamente desestruturada – embora a estrutura no século XXI ainda seja precária – e, além disso, os países que acabavam de cessar fogo em seus conflitos não apresentavam critérios básicos para receber uma deportação massiva. Sem condições de fornecer segurança pública, sem instituições jurídicas sólidas, com estruturas precárias e economicamente fracassados esses países encontram-se até o presente com índices alarmantes de pobreza.
Segundo relatório da Cepal (Anuário Estadístico de América Central y el Caribe, 2010) 26.2 % da população hondurenha vive na extrema pobreza, seguido por Nicarágua (20.8%), El Salvador (19%) e Guatemala (14.8%). Estes números justificam o ininterrupto fluxo migratório da America Central para os Estados Unidos até os dias atuais.

Por fim, essa fraqueza institucionalizada foi o cenário ideal para a consolidação de duas das mais violentas gangues de rua das Américas: Mara Salvatrucha MS-13 e Barrio 18. Após apresentar alguns fatores sobre a origem dessas duas gangues, no próximo post falarei quem são e o que fazem as conhecidas maras.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Dica de Leitura – Orfeu da Conceição de Vinícius de Moraes.


“Para matar Orfeu não basta a Morte. Tudo morre que nasce e que viveu só não morre no mundo a voz de Orfeu”.


Além da distância, há muito que separa a Grécia do Rio de Janeiro. Porém, para Vinícius, esta disparidade ficou minúscula ao comparar a favela do samba e dos clubes de negros do Rio com a mitologia grega. Dessa junção, nasceu um negro com violão nas mãos e que a cada samba dedilhado às mulheres do morro encantava.
Foi em 1942, como um dia escreveu o autor, que nasceu o embrião de Orfeu da Conceição. Do contato de Vinícius de Moraes com as favelas, macumbas e candomblés que nasceu esta tragédia carioca que mostra de maneira célebre e dramática o sofrimento do amor entre Orfeu (Haroldo Costa) e Eurídice (Daisy Paiva). Desde então Orfeu não foi mais o poeta e músico de Trácia, pelas mãos do “poetinha” virou o Orfeu negro, a voz do morro.
O texto virou peça de teatro e em 1956 estreou no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Fruto das parcerias perfeitas de Vinícius a peça foi um enorme sucesso. Não poderia ser diferente, com música de Tom Jobim, cenário de Oscar Niemeyer e figurinos de Lila Bôscoli o sucesso foi garantido.
Além do livro, da peça e do disco, em 1959, fruto de uma produção franco-italiana dirigida por Marcel Camus, a obra virou filme com o título de Orfeu Negro. Apesar de o resultado não ter agradado a Vinícius, o filme ganhou os principais prêmios de Cannes (a Palma de Ouro de 1959), além do prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar e no Globo de Ouro de 1960.
Esse drama passional tem como palco trágico o que de melhor o Rio oferece ao mundo: o carnaval. É em meio à batucada das escolas de samba que ocorrem os inesquecíveis encontros e desencontros entre Orfeu e Eurídice. A transposição do mito grego para o morro é, de fato, uma homenagem ao negro brasileiro, nas palavras de Vinícius:
“O negro possui uma cultura própria e um temperamento suis generis, e embora integrado no complexo racial brasileiro sempre manifestou a necessidade de seguir a trilha de sua própria cultura, prestando assim uma contribuição verdadeiramente pessoal à cultura brasileira em geral: aquela liberta dos preconceitos de cor, credo ou classe”.

Não é meu objetivo contar-lhes detalhes da obra para que não tire o gosto de sua leitura. Portanto, passe em alguma biblioteca ou acesse algum sebo e adquira o livro, você não irá se arrepender. Um clássico feito com amor, palavra chave para quem conhece o autor.

Visite o acervo do poeta: Obra completa.